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O tal vilarejo, uma nova forma de "tomar um perdido" e a brutalidade das coisas

  • Foto do escritor: Mariane Souza
    Mariane Souza
  • 24 de out. de 2024
  • 7 min de leitura



Eu acompanho o podcast Office Ladies, das atrizes Jenna Fischer e Angela Kinsey e atrasei alguns episódios por conta da correria. Bem, semana passada, no dia 08/10/2024, a atriz Jenna Fischer compartilhou na sua conta do Instagram que foi diagnosticada com câncer de mama em dezembro do ano passado.

No dia seguinte, no episódio publicado no podcast, elas abriram falando sobre o assunto.

O episódio pareceu diferente desde o primeiro segundo. Não houve música de abertura e nem música de fundo. Jenna e Angela começam falando e é possível perceber algum abalo na voz das duas. Quando Jenna fala diretamente sobre o diagnóstico, ouvimos Angela ao fundo fazendo aquele barulho que fazemos quando estamos tentando tomar fôlego e segurar o choro ao mesmo tempo.

Jenna conta sobre como descobriu após uma mamografia de rotina que foi inconclusiva e um ultrassom conclusivo. Conta como buscou apoio nas informações disponíveis on-line e a importância das histórias e relatos que ela conseguiu encontrar e que por isso quer compartilhar a sua história, com esperança de que possa ajudar outras mulheres.

Elas contam como tiraram tempo do podcast e flexibilizaram a carga de trabalho para que Jenna pudesse focar sua atenção em fazer cirurgias e tratamentos. Jenna conta sobre como a Angela passou a usar chapéus e bonés nas reuniões de trabalho para que o fato de ter passado a usar bonés e chapéus não chamasse tanta atenção e que Angela ficou com os filhos dela em casa enquanto ela estava em cirurgia e como foi importante, não apenas saber que eles estavam bem, mas que estavam com ELA.


“It’s just really hard when someone you care about is going through so much” - Angela


“Well, I’ve had a lot of people help me hold on to this. I did not carry this alone.” - Jenna


“I all could think about durind this time Jenna, was that I wanted to protect you, you

know? I wanted you to focus all your energy on your tratments and healing.” - Angela


“I did need that bubble. I did to focus all my energy on my tratment and my family.” - Jenna


“This was really that time that you needed your space to heal. And to put your health first.” - Angela


“I really wanted to say Angela, that you were a great protector. I lost my hair during chemotherapy and was wearing this hats and Angela started to wear this hats too. She came to my house to take care of my kids and it was important to know that they were with you.” - Jenna


Tradução:

“É muito difícil quando alguém que você ama está passando por tanta coisa.” - Angela
“Bom, eu tive muita gente me ajudando a carregar tudo isso, eu não precisei fazer isso sozinha”- Jenna
“Tudo que eu conseguia pensar o tempo todo Jenna, era que eu queria te proteger, sabe? Eu queria que você pudesse focar toda sua energia nos tratamentos e e se recuperar.” - Angela
“Eu precisei mesmo dessa bolha. Eu foquei toda minha energia no tratamento e na minha família” - Jenna
“Essa foi a hora em que você precisou do seu espaço para se cuidar e colocar sua saúde primeiro.” - Angela
“Eu queria muito dizer que você foi uma grande guardiã Angela. Eu perdi meu cabelo enquanto fazia quimioterapia e estava usando esses chapéus com cabelo e a Angela começou a usar também. Ela foi para minha casa ficar com meus filhos e foi importante para mim saber que eles estavam com VOCÊ.” -Jenna

Achei importante trazer algumas das palavras delas próprias porque são frases muito comuns. Nada do que elas descreveram foi extraordinário em termos de ação. Uma situação difícil, pela qual foi difícil passar.

Além de toda a dificuldade de tudo, saltou para mim quando Jenna destaca que não passou por nada sozinha, que outras pessoas ajudaram a carregar um pouco do fardo. O tal do vilarejo, mas nesse caso não é sobre a necessidade de um para criar uma criança, mas para passar por um tratamento de câncer.

Também se destacou para mim a maneira como a Angela descreveu o que fez. É como se não houvesse outra opção a ser considerada porque era o que precisava ser feito. Apesar de entender de onde imagino que ela esteja partindo, não era a única maneira de fazer o que precisava ser feito, mas era aquilo que ela, no lugar de amiga, podia fazer. Já estive nessa posição algumas vezes, nem todas como psicóloga, mas o que é possível fazer parece pouco porque gostaríamos de poder fazer mais e a possibilidade de não fazer nem é considerada.

Me lembrei da expressão “be someone’s champion”, difícil de traduzir, mas algo como um aliado, alguém que dá o nome, comparece para a outra pessoa na hora do vamo ver. As vezes pode significar fazer coisas muito pequenas, como distrair o outro por alguns instantes, ajudar a organizar alguma coisa ou até colaborar mais diretamente, como dar uma carona para algum lugar, por exemplo. Com frequência isso significa apenas estar lá, por perto.

Quando escrevi sobre a dificuldade ser um lugar solitário e a resposta comum de não querer que pessoas que amamos passem pelas coisas sozinhas, pensei exatamente em situações assim. Você está lá, fazendo pequenas coisas ou não fazendo nada, mas está lá.

Nada do que Angela fez resolveu o câncer da amiga e algumas coisas até poderiam ter sido resolvidas de outras maneiras, mas começar a usar bonés é um exemplo de dar o nome, apoiar, que pode ajudar a outra pessoa a se sentir menos sozinha, menos desamparada, mesmo que ela ainda vá passar pelos tratamentos ou outras coisas essencialmente sozinha. Não é sobre resolver nada.

Além disso, também me lembrei de um twitte um tempo atrás de alguém dizendo que não tinha ido ao velório e enterro de alguém próximo a uma amigo porque não gostava da energia desse tipo de lugar ou se sentia mal nesses lugares, algo assim. Mas o que passou por mim foi um retwitte, comentando como não era sobre você gostar ou não desse tipo de evento porque ninguém gosta e que não é sobre a gente, era sobre ser um bom amigo e apoiar uma pessoa de quem você gosta que tinha acabado de perder alguém.

É isso.

Eu até entendo que a maneira como as tarefas, obrigações e o trabalho vem se organizando afeta nossa disponibilidade para apoiar quem está a nossa volta, mas no lugar nos revoltarmos e questionarmos essa organização das coisas, estamos sendo tangidos a evitar vibes ruins e inconveniências, mesmo quando estas inconveniências se tratam da vida do outro acontecendo.

Também na semana passada, coincidentemente descobri um termo que eu não conhecia, mas que é um fenômeno comum para pacientes oncológicos: o câncer ghosting. Você não leu errado, infelizmente. E sim, é aquele mesmo ghosting, usado para descrever o antigo “dar um perdido”, só que para pessoas com câncer. É.

Eu descobri esse termo por uma publicação do The Telegraph (aqui), contando a história do Josh Cullen, um rapaz de 27 anos que havia sido diagnosticado com um tumor no cérebro em 2020, que estava em cuidados paliativos em casa.

A matéria não era exatamente sobre o Josh, era sobre ele estar passando pelo fenômeno do câncer ghosting pelos amigos. A matéria descreve o Josh como bem-humorado, enquanto conta os preparativos que ele mesmo fez para seu próprio funeral e o que gostaria que acontecesse com suas coisas após sua morte.

É um texto de teor muito triste e tudo sobre a descrição do fenômeno de afastamento das pessoas quando um diagnóstico de câncer é anunciado é meio revoltante. Digo meio revoltante porque não conheço nenhuma dessas pessoas ou como eram os relacionamentos e acho que não conheço ninguém que já tenha feito algo assim. Não sei qual notícia vi primeiro, a da Jenna Fischer ou do Josh, mas uma me fez lembrar da outra. De uma lado uma mulher contando a própria trajetória e o apoio que recebeu e de outro um cara jovem contando do apoio que foi sumindo. Uma frase dele na matéria era justamente sobre as pessoas não estarem mais lá, mesmo que não pudessem fazer nada. Realidades brutais, cada uma a sua própria maneira.


O privilégio das histórias


Não encontrei outras notícias sobre o Josh, mas espero que ele e a mãe estejam bem, na medida do possível. Eu pensei muito sobre a história dele.

Um pedaço pequeno, mas muito significativo dentro da atuação de um psicólogo, é que quando as pessoas chegam e contam o que as trouxeram ali, elas não estão mais passando por aquilo sozinhas. O problema com este pequeno pedaço é que se elas não contam com o apoio de outros relacionamentos, o que nós conseguimos oferecer, por mais genuíno que seja, é insuficiente e isso é brutalmente triste.

Já vinha pensando sobre a razão de querer escrever e estava muito difícil (ironicamente) de colocar essa vontade em palavras, mas sinto que cheguei num lugar possível.

Aquilo que vivemos existe dentro da gente, até decidirmos compartilhar com alguém. Quando contamos para alguém, aquilo também vive na memória da outra pessoa, mesmo que temporariamente. É uma segunda vida. Quando uma história é escrita e outra pessoa lê, a história sobrevive para além da memória de cada indivíduo.

Parecia muito triste para mim quando eu imaginava que aquilo que alguém tinha vivido, seria esquecido quando essa pessoa partisse. Em algum momento (ainda na graduação) eu me dei conta do privilégio e da responsabilidade de quando alguém procura terapia e conta sobre a própria vida. São histórias que eu nunca vou contar (salvo situações específicas, tipo supervisão), mas elas existem na minha memória enquanto eu existir e depois elas vão comigo, assim como as minhas próprias memórias. De novo, me pareceu brutalmente triste.

Eu entendi que contar e ouvir histórias são atos de homenagens às vidas vividas. É a escrita enquanto um tributo à existência de alguém, mesmo que seja alguém imaginário.

Quando Jenna falou da importância de encontrar relatos e histórias de outras pessoas que passaram pelo que ela ainda iria passar e o desejo de que o próprio relato ajudasse alguém, eu entendi com maior clareza o que estava difícil de definir na minha vontade de escrever. Eu quero escrever porque é importante para mim que as histórias e infirmações não se percam. Quero continuar escrevendo porque pode ajudar alguém em algum momento. Quero que aquilo que eu escrevo seja uma homenagem aqueles que vieram antes de mim e que quem vá ler um dia tenha um pouquinho do mesmo privilégio que eu tive, espiar por onde eu já espiei.

Jenna contou que está oficialmente livre do câncer, mas ainda tem tratamentos a fazer. Isso é feliz e soou feliz quando ela contou. Ela não cogita a minha existência, mas eu fiquei feliz por ela e feliz que saber que ela contou com o cuidado e carinho que precisava. Josh também não deve ter imaginado até onde sua história chegaria e nos comentários da postagem do The Telegraph muitas pessoas escreveram perguntando como entrar em contato e deixando mensagens para ele a família. Espero que ele tenha recebido.

Fui muito impactada por estas histórias. Agora que eu escrevi sobre elas e nesta linha estou supondo que você leu o que escrevi, essas histórias também são suas.



 
 
 

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